Quando os preços começam a subir no Brasil, a reação automática é sempre a mesma: o Banco Central corre para aumentar a Selic, como se esse fosse o único remédio existente para todos os males econômicos. É uma resposta quase instintiva, tão repetida que parece indiscutível.

Mas a verdade que muita gente evita encarar  é simples:

A maior parte da inflação brasileira NÃO nasce do consumo.
Portanto, subir a Selic NÃO resolve suas causas reais.

O brasileiro não está “comprando demais”.
O que está acontecendo é:

  • choques externos

  • dólar instável

  • combustíveis caros

  • custos de produção altíssimos

  • dependência de importados

  • gargalos logísticos

  • clima impactando agricultura

Ou seja, problemas que a taxa Selic não alcança.

Vamos aprofundar isso em profundidade  sem simplificações, sem economês confuso e sem o teatrinho de sempre.


1. A inflação no Brasil é diferente: ela nasce do lado da oferta, não da demanda

Em países desenvolvidos, como EUA e Europa, a inflação geralmente vem quando a economia está aquecida demais. Muita gente consumindo, poucas empresas produzindo. A demanda supera a oferta, e os preços sobem.
Então faz sentido elevar juros.

Mas o Brasil não vive esse tipo de inflação.

Aqui, historicamente, os preços sobem mesmo quando:

  • há desemprego alto

  • crédito está caro

  • consumo está fraco

  • renda está caída

  • famílias estão endividadas

Ou seja: não é consumo demais.

Os preços sobem porque os custos sobem.

E custo que sobe por fatores estruturais não diminui com o aumento da Selic.


2. O Brasil sofre com “inflação importada” — e isso não se resolve com juros

Boa parte dos bens essenciais que chegam à mesa do brasileiro depende de:

  • insumos importados

  • fertilizantes de outros países

  • combustível baseado em dólar

  • grãos atrelados ao preço internacional

O resultado?

Quando o mundo está caro, a gente fica caro junto.

Exemplos reais:

  • guerra na Ucrânia → fertilizantes subiram → alimentos subiram

  • crise no Oriente Médio → petróleo subiu → transporte subiu

  • câmbio global instável → dólar subiu → combustível, remédios e eletrônicos subiram

E aqui está o ponto crítico:

NENHUM desses fatores é afetado pela Selic.
Você pode colocar a taxa a 20%, 30% ou 40% — o petróleo mundial vai continuar ditando o preço do diesel.


3. O custo de produção no Brasil é um dos maiores do mundo

O nosso famoso “Custo Brasil” faz as empresas pagarem caro para produzir. E isso pressiona preços antes mesmo do produto existir.

Entre os maiores vilões:

✔ Energia cara

Principalmente quando falta chuva — e isso acontece todo ano.

✔ Logística precária

Nossa economia depende de transporte rodoviário, o mais caro e mais combustível-dependente. E combustíveis dependem… do dólar.

✔ Impostos complexos

Isso exige departamentos inteiros só para cumprir obrigações fiscais — e alguém paga essa conta.

✔ Burocracia

Para produzir no Brasil, uma empresa perde tempo, dinheiro e energia.

E aí vem o Banco Central e diz:

“Vamos subir a Selic para controlar os preços.”

Como se o produtor estivesse inflando o preço por ganância. Não está.
Ele simplesmente está repassando custos.

Selic alta só encarece mais a produção, porque:

  • empréstimos ficam mais caros

  • capital de giro fica mais caro

  • investimento em maquinário fica mais caro

  • dívidas aumentam

  • risco aumenta

E o produtor repassa isso… em preços.


4. O dólar é um dos maiores motores da inflação — e juros não garantem dólar baixo

Existe uma teoria antiga:
“juros altos atraem capital estrangeiro e fortalecem o real”.

Mas na prática, isso só funciona em condições extremamente específicas.

O câmbio real responde a dezenas de fatores:

  • estabilidade política

  • risco fiscal

  • decisões do Federal Reserve

  • crises internacionais

  • preço de commodities

  • humor dos investidores globais

  • fluxo especulativo

  • eventos climáticos globais

Ou seja:

a Selic é apenas UM dos fatores — e não o mais determinante.

Por isso, mesmo com juros altíssimos por muito tempo, vimos:

  • dólar subir

  • gasolina subir

  • alimentos subirem

  • remédios subirem

  • tecnologia subir

Se o câmbio não responde, o resto não responde.


5. Choques climáticos têm impacto direto na inflação — e nenhum remédio monetário resolve isso

O Brasil é uma potência agrícola.
Mas essa é uma benção e uma vulnerabilidade.

Quando:

  • chove demais

  • chove de menos

  • há seca prolongada

  • pragas atingem safras

  • geada afeta colheitas

  • calor extremo prejudica plantações

os preços dos alimentos disparam.

Isso acontece porque:

  • a oferta diminui

  • a distribuição fica mais cara

  • a produção futura fica mais incerta

E me diz:
Como que juros mais altos resolvem falta de chuva?

Não resolvem.

Juros não fazem chover.
Juros não reduzem o preço internacional do trigo.
Juros não estabilizam o clima.


6. Selic alta paralisa a economia — mas não resolve a inflação real

Aqui está o lado mais cruel:
a Selic alta, quando não necessária, machuca justamente quem está tentando sobreviver.

Ela gera:

  • crédito caro

  • cartão de crédito mais abusivo

  • financiamento impagável

  • empresas desistindo de investir

  • desemprego subindo

  • renda estagnada

  • retração do comércio

Ou seja, ela esfria a economia.
Mas os preços continuam subindo por outros motivos.

A Selic combate um tipo de incêndio…
quando o fogo está em outra sala.


7. O que realmente reduziria a inflação no Brasil

Se a intenção fosse resolver o problema de verdade, o país precisaria atacar os fatores estruturais.

E eles são claros:

✔ Infraestrutura logística

Menos custo com transporte, mais rotas, mais eficiência.

✔ Política energética estável

Menos dependência de chuva e termelétricas.

✔ Incentivo à produção nacional

Para reduzir dependência do dólar.

✔ Redução de burocracia

Para baratear o custo de operação.

✔ Fortalecimento das cadeias produtivas

Para reduzir impacto de choques internacionais.

✔ Estabilidade política

Câmbio agradece, investidores agradecem, preços agradecem.

Se o Brasil resolvesse isso, a inflação despencaria naturalmente — sem precisar sacrificar a economia inteira com juros altos.


8. Conclusão: o Brasil precisa trocar o remédio  e parar de insistir no que não funciona

A Selic é uma ferramenta importante, mas não é universal.
Ela foi feita para combater o tipo de inflação que o Brasil não tem.

A nossa inflação é:

  • estrutural

  • importada

  • logística

  • climática

  • energética

  • cambial

E nada disso responde de forma eficiente ao aumento da Selic.

Subir juros virou uma tradição, não uma solução.
E tradição errada, quando insistida, vira problema.

Até que o país encare as causas verdadeiras da inflação  e não apenas seus sintomas , vamos continuar patinando sempre no mesmo lugar.

FONTES

Banco Central do Brasil – Relatórios de inflação
IPEA – Estudos sobre inflação de custos
FGV/IBRE – Indicadores de preços e câmbio
OCDE – Relatórios sobre estrutura produtiva brasileira
CNC – Estudos sobre custo logístico
OMC – Dados globais de comércio e commodities

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